Sexo e cristianismo ao longo dos séculos
- Matheus Benites
- 19 de jul.
- 5 min de leitura
O que a Bíblia realmente diz sobre sexo? Qual era a visão de Jesus sobre a homossexualidade? A castidade é um estilo de vida mais cristão do que a família? Aqui vou compartilhar um pouco do que aprendi como trabalho do historiador da Universidade de Oxford Diarmaid MacCulloch, que escreveu, dentre outras obras, o livro Lower Than the Angels: A History of Sex and Christianity. Recentemente ele participou do podcast Within Reason, de Alex O'Connor, em um episódio que recomendo bastante.

O pouco que sabemos indica que Jesus era casto, mas não condenava o casamento. De seus seguidores, pouco sabemos. No caso de Pedro, sabemos que ele era casado, pois sabemos que ele tinha uma sogra. Mas surpreendentemente, no cristianismo primitivo, a visão em torno da sexualidade era diferente desta visão conservadora associada a cristãos mais tradicionalistas de hoje.
Na primeira carta aos Coríntios, Paulo afirma que a castidade era a melhor maneira para ele ser, implicando, com isso, que ele não esperava a castidade da maioria das pessoas. E também que, sim, ela é melhor do que uma vida sexualmente ativa, mas não é ruim ser casado com uma pessoa. É algo que ele considerava bom.
Segundo as cartas de Paulo, o corpo da mulher é propriedade do homem e o corpo do homem é propriedade da mulher. Eles têm a obrigação de satisfazer um ao outro. E a ideia predominante na cultura ocidental de que a mulher é propriedade do homem, tem mais influência do antigo testamento e dos preconceitos contextuais. Mas há acadêmicos que discordam, como a historiadora Jennifer Knust, da Duke University, sobre o que Paulo quis dizer em Romanos. Precisamos ter em mente, sempre, que a Bíblia que temos em mãos provavelmente contém erros de tradução ou escolhas de palavras propositalmente distorcidas para favorecer interesses homofóbicos e machistas.
Segundo Jennifer Knust, provavelmente os cristãos e judeus do primeiro e segundo século acreditavam que Adão era uma criatura andrógina, a qual Deus dividiu em masculino e feminino, com a criação de Eva. E que, no fim dos tempos, iminente, Jesus daria corpos perfeitos para todos os cristãos, muito melhores do que a forma humana depois da queda. Não vou considerar aqui as cartas do Pseudo-Paulo como primeira Timóteo, as posteriores que, hoje, a academia consensualmente defende não ser de autoria do apóstolo, mas sim de um sujeito posterior se passando por ele.
Já para os cristãos do século II, casamento não era prioridade. Era algo bem secundário comparado ao ascetismo e à castidade. Diferentemente do que pregava a Bíblia hebraica dos judeus. Com o tempo, cristãos se aproximaram mais da visão judaica de que o casamento e a constituição de família é parte fundamental do propósito de Deus para o ser humano. E, muita gente esquece isso, mas até o século XX, era bem comum homens judeus terem mais de uma esposa. Assim como, até hoje no século XXI, homens da religião islâmica podem ter diversas esposas.
No cristianismo primitivo havia diferentes visões sobre o sexo. Alguns cristãos influentes, como Jerônimo, consideravam o sexo uma coisa do demônio.
Orígenes de Alexandria parece ter castrado a si mesmo, para melhor servir a Deus, no seu entendimento. Ele leu literalmente a passagem do evangelho de Mateus que fala sobre todos se tornarem eunucos para servir a Deus no Céu. Quem narra essa história sobre Orígenes é Eusébio de Cesareia, no livro História da Igreja. No Concílio de Niceia foi feita uma lei contra a castração. E isso implica que, s e eles tiveram essa demanda, provavelmente tinha cristãos se castrando naquela época.
Já para Agostinho de Hipona, um homem que teve um passado sexual expressivo, conforme lemos nas Confissões, o sexo não é resultado da queda de Adão e Eva. Não é algo sujo. Já era possível entre eles no jardim do éden. Isto ele escreve basicamente contra Jeronimo, que era o cristão que mais condenava a sexualidade. Basílio de Cesareia acreditava que o sexo foi de fato introduzido no mundo com a queda de Adão e Eva e é, portanto, uma prática inerentemente satânica à qual somos tentados durante a vida adulta toda. Perceba como é perturbadora a visão da condição humana que ele tinha. Tertuliano e Irineu, entre outros perseguidores de heresias depois da consolidação da autoproclamada ortodoxia, acusavam outros grupos cristãos com teologias distintas de praticarem orgias e atos sexuais nos rituais religiosos, sem falar em coisas muito mais sérias, que serão assunto de outro vídeo.
Mas o tabu em torno da sexualidade permaneceria por muito tempo, a despeito do que diziam as escrituras. O casamento na igreja, no ocidente, só acontece a partir do século 12. Só é um sacramento depois de 1200 anos. Neste período, homossexuais vão ser condenados severamente, na fogueira. É curioso que Jesus não diz uma palavra sobre homossexuais e, na idade média, eles foram para a fogueira. Por outro lado, Jesus critica hipócritas e, por sua vez, a pena para hipócritas não era morte, muito menos morte na fogueira. É essa mesma igreja que estabelece o celibato para os padres, separando-os dos outros. E para enaltecer este contraste, era preciso que os homens comuns fizessem sexo com suas esposas. Então a igreja aprova o sexo, até mesmo para poder aprovar a castidade como um dote espiritual superior, exclusiva para os sacerdotes.
Com a Reforma Protestante, há outra mudança paradigmática. Martinho Lutero quer tornar o pastor alguém mais próximo do homem comum. E, tendo isso em vista, a castidade não fazia mais sentido. E ele próprio pôs em prática sua crença, casando-se e constituindo família. Por isso pastores protestante podem se casar, ao contrário de padres católicos. De certa forma, o pastor luterano serviu muito mais de modelo para as comunidades do que o padre, dando razão ao ponto de Lutero. Visitando vilarejos da Europa você percebe isso. O pastor é uma referência, um verdadeiro modelo de como um homem deve agir em sua família e na sociedade.
E quanto à homossexualidade? Diferentemente do antigo testamento, em que há supostas condenações diretas à homossexualidade, que soam bastante homofóbicas, como no livro Levítico e na história de Sodoma e Gomorra, não se encontra praticamente nada do tipo no Novo testamento.
Inclusive, Jesus não disse nada sobre homossexualidade. Isso revela algo: se gays fossem um problema, o criador do universo encarnado para nos ensinar como viver teria dito algo sobre, não? Mas o silêncio de Jesus mostra que isso provavelmente sequer era uma questão para ele.
Paulo, segundo MacCulloch, critica a prática grega de um homem mais velho e sábio ter um relacionamento com um garoto, no qual o garoto dá seu corpo e recebe a ajuda do mais velho no seu posicionamento social e aprendizado. Contudo, para ambos, a relação iria descambar em um fim, a partir do qual o garoto se casa com uma mulher e constitui família. Ora, isso é muito diferente de homossexualidade. A homossexualidade moderna, termo oriundo do século XIX, é uma relação de duas pessoas do mesmo sexo construindo uma vida a dois, teoricamente, até a morte — se tratando de uma relação monogâmica. Portanto, a visão de que a Bíblia condena homossexuais que fundamenta a homofobia de muitos cristãos, no Brasil e no mundo, pode ter sido uma construção social muito mais recente.
Assista no YouTube o meu vídeo sobre este assunto e o podcast Within Reason com MacCulloch.
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