top of page

Confissões de um carioca atípico

  • Foto do escritor: Matheus Benites
    Matheus Benites
  • 24 de ago.
  • 3 min de leitura

ree

Sou mesmo carioca? Apenas se seguirmos a tese regional. Se o ser carioca é ter nascido na cidade do Rio, eu inegavelmente o sou. Contudo, se o carioca tem uma essência, encontro-me surpreendentemente distante dela.


Tecnicamente, o meu time é Flamengo, mas eu não acompanho futebol e só pisei no Maracanã umas três ou quatro vezes na vida inteira. Na verdade, o futebol me entedia. Acho que acompanhar um time de futebol é um apego arbitrário e um desperdício de tempo. Inevitavelmente, os times sempre vão oscilar entre fases boas e ruins, e o campeão de hoje é o eliminado da competição seguinte. Minha intenção não é de modo algum fazer uma crítica elitista à cultura do torcedor de botequim, pois reconheço que todos temos hábitos de entretenimento que podem ser considerados arbitrários tanto quanto assistir esportes. Os meus, por exemplo, são o cinema e a literatura. Uma versão ainda mais chata de mim poderia argumentar que filmes acrescentam mais ao repertório de uma pessoa do que o campeonato brasileiro. Mas não farei isso.


Também não sou chegado a praias. Nada contra mate, biscoito globo e muito menos biquínis. Pelo contrário, sou um admirador da invenção de Luís Réard e acho que ele merecia um prêmio Nobel. Mas, em vez de torrar sob o sol violento do Rio, prefiro ficar na sombra, sem areia nos pés. Na verdade, prefiro ficar no meu apartamento, ou em cafés.


Os cariocas são religiosos, e muitos praticam o sincretismo: se dizem católicos e espíritas, ou evangélicos e umbandistas, ou promovem dogmas da Igreja à tarde tendo consultado mapa astral de manhã. Todos acreditam em Deus, mas ninguém acredita exatamente na mesma coisa. Como muitos de vocês sabem, eu sou ateu e tenho muitas críticas às religiões organizadas.


Eu amo minha cidade, sua beleza me encanta diariamente. Na orla do Rio, eu sou totalmente da contemplação e por isso também prefiro longas caminhadas do que corridas. Nos restaurantes, sou chamado de padrinho, general, doutor, e eles nem sabem que ainda nem defendi a minha tese de doutorado. Preciso constatar o fato de que sou burguês. Mas não o tipo de burguês que vai para o boteco Belmonte com short de pijama às onze da noite. Na verdade, penso que meus conterrâneos se vestem mal, inclusive os burgueses. Por aqui, em geral os homens estão se vestindo com camisetas de time de futebol, ou camisetas largas de rappers, geralmente acompanhadas de uma brega pochetinha de vendedor de bala, quando a moda não é simplesmente andar de camisa regata e chinelos.


Sou antiquado. Gosto de me vestir à moda clássica, atemporal, e mesmo vivendo em um lugar quente, isso não é impossível. Vestir-se bem não significa andar sempre de terno, sem precisar ter condições de investir em roupa de luxo. Posso ser burguês, mas se você pensa que sou rico, está muito enganado. Lembre-se que eu ensino filosofia. Se o carioca é marrento e estressado, eu não acho que eu o seja. É óbvio que tudo isso tem a ver com a sorte que eu tive, e que muitos cariocas não têm, de ser morador da zona sul, e de ter tido boas condições materiais para obter uma educação de qualidade e poder trabalhar com o que gosto.


Sobre o que eu não gosto, podemos incluir também água de coco, funk, sertanejo e especialmente trap. Se você quer ruído, é mais fácil ouvir a conversa dos pedreiros durante as marteladas na obra do edifício ao lado. A lista poderia continuar. Gosto de samba, mas não frequento a Lapa. Acredito que o ponto está claro. Minha namorada, que é paranaense, fala powrrta e bulácha e, mesmo assim, em todos esses aspectos, ela é mais parecida com meus conterrâneos do que eu.


O que posso concluir de tudo isso é que as circunstâncias de uma pessoa não definem sua identidade. Estereótipos e conformidade irrefletida com as expectativas dos outros são receitas para uma vida banal. Você pode discordar de absolutamente todos os meus gostos, mas faça isto se for sua opinião genuína. Temos responsabilidades e obrigações morais na vida em sociedade, mas isto não significa que o pensamento crítico deva ser calado e que você precise sentir medo de reclamar do que não gosta. Não seja mais um se aliando a uma bolha ou outra da guerra cultural. Encontre suas nuances. Enxergue as pessoas para além de estereótipos. Reclame. Discorde. E não leve uma vida banal.


Matheus Benites

Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2025

Comentários


bottom of page