Sêneca e a vida feliz: por que você não é um estoico

Em seu tratado “Sobre a vida feliz”, Sêneca apresenta o ideal da vida feliz estoica, concebida como uma vida que busca a retidão moral, e não os prazeres. Assim, critica a escola epicurista, quando esta defende que o prazer deve acompanhar a virtude. Os prazeres, segundo Sêneca, são acessórios, subprodutos de uma vida virtuosa, não o objetivo da mesma. Efeitos e não causas. A riqueza, para Sêneca, não é um bem, porque não torna os homens melhores (muitos homens são corruptos e ricos). Todavia, a riqueza não deve ser recusada necessariamente, caso provenha de um trabalho honesto e da virtude do homem. Sêneca, que mais almejava ser um estoico do que realmente encarnava o ideal, defende-se de acusações comuns ao estoicismo e ao modo de vida filosófico em seu tratado. O caminho para uma educação filosófica começa afastando-se do vulgo, o que é consonante com o tratado "Sobre o ócio", escrito em um período próximo. Sêneca afirma que: "o caminho mais trilhado é frequentemente o que mais engana" (p. 33). "Arruinamo-nos pelos exemplos dos outros: estaremos a salvos só se nos separarmos da massa" (p. 34), argumenta também. A posição da maioria provavelmente não é a melhor, sob a ótica estoica. Fazer coisas só porque os outros as fazem nunca é um bom princípio, esta nunca pode ser a única razão para tomar determinada ação.

"Busquemos, portanto, qual conduta é a melhor, não qual é a mais usual, e o que nos confere a posse da felicidade eterna, não o que tem aprovação do vulgo, péssimo intérprete da verdade".

Ao contrário do cristão primitivo, que pregava o voto de pobreza, o estoico, embora também despreze a riqueza, a considera preferível à pobreza (desde que não substitua a virtude). Por isso, segundo Sêneca, a filosofia de Epicuro falha ao defender que os prazeres devem acompanhar as virtudes. Ao contrário dos prazeres, a virtude nunca pode ser excessiva. Ela é um fim em si mesmo. Em excessos, não se tem mais a virtude.

Sêneca, inclusive, confessa, diante das objeções de seus críticos, que não era ainda um sábio. Sêneca falhou em remover a influência negativa de Nero em sua vida, permitindo-se nutrir esta relação, que no fim, causaria sua morte. Justamente, sua vida (e sua trágica morte) consistiu em uma tentativa de incorporar o ideal estoico, o que era sempre um desafio no contexto do senado e da vida pública romana. Para o ocidental contmeporâneo, ser um estoico genuíno talvez seja ainda mais desafiador, quiçá impossível! Não devemos nos iludir achamos que podemos ser estoicos ao ler manuais de Epicteto, meditações de Marco Aurélio ou diálogos de Sêneca.

O suicídio de Sêneca, após pressões do imperador Nero, que desconfiava injustamente do filósofo

"Por que me falar de prazer? Eu busco o bem do homem, não do ventre, cuja capacidade é maior nas reses e nos animais selvagens" (p. 42).

O máximo que se afigura possível é aprender com os estoicos, no que eles podem nos acrescentar em nosso próprio modo de vida moderno, do humanismo e do liberalismo. Conteúdo sobre estoicismo pode ter se popularizado na Internet devido aos desafios para a saúde mental no mundo conectado e acelerado do século 21, mas isso não os torna iguais aos antigos estoicos, cuja meditação sobre a morte era prática diária e indulgente ambição profissional, a obsessão com o crescimento e a vivência de experiências capitalistas, não fazia parte do vocabulário. Segundo o ideal estoico:

"É feliz, portanto, quem é capaz de um juízo reto; é feliz quem está contente com as circunstâncias presentes, quaisquer que sejam, e ama a sua condição; é feliz aquele em que a razão marca toda a condução de suas ações" (p. 39).

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