Indesejáveis: crise climática, polarização política e ressentimento no romance sci-fi dos nossos tempos
- Matheus Benites
- 27 de jul. de 2024
- 5 min de leitura
Ser um autor é estranho. Depois de um ano e meio (ou mais que isso, dependendo), você recebe uma caixa com livros idênticos no interior. É o livro que você escreveu. Mas outras pessoas o viram e manusearam antes de você. Ao lê-lo, tem a sensação de desejar ser um outro leitor, inocente, imparcial, que pudesse avaliar a qualidade objetiva da sua obra (se é que isso existe). Ao longo de toda a leitura, você se sente tentando ser este outro leitor e tentando abstrair cada detalhe da história que você já conhece, surpreendendo-se com partes, frases e palavras das quais não se lembrava. Isso aconteceu comigo há alguns dias, quando recebi os exemplares do meu primeiro romance, Indesejáveis. Eu acabei de desperdiçar um parágrafo divagando sobre ser um autor, em vez de escrever sobre o meu livro! Então vamos ao próximo, para que eu não repita o erro.
Publicado pela Opera Editorial, Indesejáveis é uma história de ficção-científica que nasceu da necessidade de criar uma obra fantástica que refletisse este momento histórico de crise climática, polarização política e ressentimento. A narrativa é ambientada no planeta de Novara, após o colapso da civilização na Terra pelo aquecimento global, e apenas uma pequena fração da humanidade sobreviveu e habita este planeta, repartido em diferentes condados. Há uma crise pandêmica, de origem misteriosa, que provoca insanidade e morte nos seres humanos em poucas horas. Antes de perderem as comunicações, cientistas suspeitaram que se tratava de uma inteligência associada ao próprio planeta, que estava tentando expulsar ou eliminar os humanos. O acaso faz com que a brasileira Estela, que protagoniza o romance interestelar, tenha de transportar um chip contendo informações relevantes como essas para a zona de contingência, em ilhas de cristais que ficam no coração de Novara, onde um grupo de pesquisadores conseguiu criar um refúgio.
Estela é uma jovem inteligente, de origem humilde, e com forte senso de justiça, mas que também convive com um ressentimento grande para com sua própria geração. Em sua jornada, ela precisará superar este traço de sua personalidade, martelar estereótipos, e fazer aliados surpreendentes para completar sua missão e restaurar a ordem na nova civilização. Tal civilização, porém, importou os mesmos problemas do antigo mundo terráqueo. Os condados orientais não falam com os ocidentais, e vice versa. Há um clima de tensão e muita carência por fatos e informações apuradas. As fake news, a tensão política, a xenofobia e a paranoia foram conosco para o novo planeta. Mas, ao contrário dos continentes da Terra, os ecossistemas de Novara não são tão passivos sobre a colonização humana. Se nós falhamos em aprender com nossos próprios erros, talvez uma inteligência alienígena não falhe e possa nos ensinar de uma maneira que a gente não esqueça mais. Foram mais ou menos essas as inspirações temáticas, de cunho filosófico, político e ecológico, do romance. mas eu fiz questão de escrever em uma linguagem acessível e leve, inspirando-me, sem muito mistério quanto a isso, em Isaac Asimov, Ursula Le Guin, Philip K. Dick, na obra Solaris, entre outros. Ficção científica é sobre o presente e sobre o que significa ser humano. Eu busquei trazer bastante brasilidade à narrativa, não só tendo como protagonista uma brasileira, mas também explorando como o Brasil participou desse cenário de migração interplanetária, trazendo a questão da exploração da Amazônia, o problema do garimpo e a situação precária de aldeias indígenas como as Yanomami, que chegam a aparecer em um dado momento. A participação do Brasil na história reflete muito a política brasileira de anos recentes, com descaso e interesses econômicos e ideológicos acima da preocupação ecológica. Sob a presidência de Flávio Freitas, o governo fez acordos exploratórios com empresas de extração e exportação de recursos naturais para a produção de foguetes, o que assegurou vagas para brasileiros nas naves e uma parcela do litoral de um continente de Novara (denominada Tupi) para os mesmos.
Minha esperança é que essa história possa alcançar o público jovem e suscitar reflexões sobre as questões urgentes do nosso século, da polarização política, em que pessoas de esquerda e de direita não podem habitar um terreno comum e dialogar, à crise climática, que viemos testemunhando com esforços pouco significativos para mitigar, mesmo diante de fatos alarmantes da pesquisa científica. Conforme dizia Bruno Latour em Diante de Gaia, alguns fatos científicos não são neutros. Eles vêm acompanhados de imperativos morais, como se dissessem: "faça algo a respeito disto!".

Uma das minhas cenas favoritas de Indesejáveis é aquela na qual Cláudio, um empresário arrependido, CEO da empresa que explorou a Amazônia e devastou biomas para vender nióbio para os foguetes que tirariam humanos da Terra, janta com um climatologista, o intelectual público que era seu maior crítico, em um refeitório da nave espacial durante a viagem. Eles brindam à ironia da situação e , mais do que uma piada, comunicam um a outro a boa fé de um recomeço, sem ressentimentos. O leitor que buscar no meu livro uma tese contra o capitalismo, não vai encontrá-la. Assim como o que buscar uma história de fantasia a-política também vai se decepcionar. De maneira alguma é uma obra misantrópica, pelo contrário. Em meu desejo que a humanidade prospere, reside a consciência de que ela não será capaz se as coisas permanecerem do jeito que estão. Por isso bato tanto na tecla de que o ressentimento não é o caminho e que não adianta pura e simplesmente culpar um grupo ou outro por uma crise planetária. Um dos personagens, Conrado, cultiva uma horta em sua casa no deserto de Novara. Dentre as suas plantas terráqueas, novarrenses e híbridas, está a Ginkgo Biloba, uma planta que é considerava um fóssil-vivo (que existia no tempo dos dinossauros), que sobreviveu aos bombardeios de Hiroshima e que chegou a Novara junto com a humanidade, firmando suas raízes em seu solo difícil. Essa planta é como nós. Devemos nos manter firmes diante do desconhecido e perseverar. Nós não vamos conseguir superar os desafios atuais se não soubermos abandonar os antigos e errados padrões, como nacionalismo, segregação política, imperialismo, exploração predatória de recursos e falta de consciência ecológica. Detesto a visão de certos ativistas segundo a qual seres humanos são como um vírus, um mal no universo, que seria melhor se não existissem. Não! O universo poderia passar bilhões de anos sem nós (como já passou e como afirma a epígrafe de Nietzsche), ele não se importa! Mas a gente se importa! Nós somos bons também, podemos ser extraordinários e fazer coisas incríveis, mas às vezes precisamos dar alguns passos para trás e repensar as coisas. Que Indesejáveis possa, não apenas transportar o leitor para uma baita aventura fantástica, como também dar a pensar sobre tudo isso.
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Matheus Benites
Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024
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