Filósofos sobre o amor
- Matheus Benites
- 12 de jun. de 2024
- 8 min de leitura
O que pensam grandes filósofos ocidentais, como Platão, Schopenhauer, Nietzsche e Sartre sobre o amor?
“Ama-se por fim seus desejos, e não o desejado”, escreveu Friedrich Nietzsche no item 175 de Além do bem e do mal. Isso porque, segundo Nietzsche, a vida é querer mais potência. O objeto desse querer pouco importa, ele pode mudar. Mas o que não muda é o querer, o desejar, o perder-se, extasiar-se, lançar-se para além de si, em busca de um esbanjamento de potência. É nesse sentido que o filósofo também afirma que o que é feito por amor está sempre além do bem e do mal. Mas Nietzsche, como se sabe, considerava o romantismo uma espécie de doença. O romântico é totalmente consumido por sua paixão, que o cega às circunstâncias reais. Por isso, segundo Nietzsche, o amor é uma condição na qual nós vemos as coisas quase certamente como elas não são. Ao idealizarmos o nosso objeto de desejo, nos apaixonamos pela imagem da pessoa, o que nos impede de enxergar a pessoa verdadeiramente.
Mas do que falamos quando falamos de amor? Ao que nós chamamos de amor, os antigos gregos tinham quatro definições diferentes. Storge (στοργη) é o amor para com membros familiares e pessoas de forte ligação. Este tipo de amor floresce “naturalmente”, à medida que um ser humano nasce, recebe afeto e convive com a família em seu crescimento. Philia (φιλια) diz respeito ao amor aos amigos e pessoas próximas de um ciclo social, estando embasado no relacionamento que se desenvolve, e não na pessoa enquanto um objeto. Pode não ser tão intenso quanto os outros, e acredito que seja até desconsiderado enquanto um tipo de amor no nosso tempo embriagado pelo amor romântico, mas é certamente indispensável para uma vida humana satisfatória. Ágape (αγαπη) caracteriza um amor incondicional ao Ser. À natureza, às pessoas e a tudo, sem expectativa de benefício pessoal ou troca. Pode ser associado ao amor religioso, que o filósofo dinamarquês protestante Søren Kierkegaard promoveu em oposição ao amor romântico. Este, que os gregos chamavam de Eros (έρως), está relacionado à sexualidade e à posse. Este é o amor que recebe mais destaque em nossa época, estando por trás de grandes tragédias e histórias épicas, como Romeu e Julieta de Shakespeare e a Ilíada de Homero. Há um claro objeto de desejo e uma força que pode ser arrebatadora e impulsiva, cegando o amante às outras coisas de sua vida e restringindo seu foco à pessoa que deseja. Este amor é o mais interessado e também mais perigoso de todos.
Platão dedica um de seus mais célebres diálogos à pergunta sobre Eros. Em O Banquete, diversos personagens conhecidos da Grécia Antiga se reúnem em um despojado banquete, prática comum daquela sociedade, e dialogam, em clima relaxado, sobre a natureza de Eros. Um dos discursos mais interessantes é o do comediógrafo Aristófanes, que narra um mito primordial segundo o qual éramos andróginos, seres duplos com quatro braços e pernas e de forma circular. Quando os deuses desconfiaram de nossa inteligência e audácia, Zeus dividiu-nos pela metade, dando origem à nossa forma atual. O prazer que obtemos com o novo órgão sexual, quando encontramos um parceiro, é um pequeno indício de algo que era constante em nossa forma original. E Zeus adverte: se continuarmos aprontando, ele pode dividir ainda outra vez, de modo a ficarmos pernetas, com um olho só, etc. Para Aristófanes, Eros é uma força que impulsiona a busca pelo suprimento de uma ausência. É interessante pensar como este mito dialoga com nossa sociedade atual, na qual a dependência emocional, a necessidade desesperada de amparo, é numerosa. Todos precisamos de amparo. Aristóteles já dizia que, para viver só, é preciso ser um animal ou um deus (o que Nietzsche complementou ironicamente, “ou um filósofo”). Mas sabe-se que em nosso tempo a ansiedade e a depressão são enormes, especialmente entre os jovens. Se, para Aristófanes, Eros é privação, desejo de completar-se, para Sócrates, Eros é a busca de si mesmo e da verdade. Não exatamente do que lhe foi privado, mas do que foi esquecido. Eros transcende o corpo na medida em que visa a união com o Ser. Em certa medida, filosofia é Eros. Alcebíades, conhecido como o mais belo jovem da Grécia, era apaixonado por Sócrates, este notoriamente feio e que não o correspondia. Porque para Sócrates o amor corpóreo é apenas o começo, o grau mais inferior do amor genuíno. À medida que se avança, o véu se desfaz e a verdade se apresenta. O ser humano se descobre como alma, sendo o corpo apenas um instrumento para sua purificação. Este é o raciocínio do Sócrates de "O Banquete", que tem como fonte o pensamento filosófico de Diotima de Mantinea. Diotima vê o amor como a força motriz que leva os indivíduos à busca do conhecimento e da verdade. O verdadeiro amante busca a sabedoria e a contemplação da beleza eterna e imutável. A atração por um corpo belo é o primeiro passo, o amor mais superficial e baixo. Depois, há o amor por todos os corpos belos. Em seguida, o amor pela beleza interior das pessoas, valorizando-as para além da aparência física. Posteriormente, há o amor pelas leis e instituições. Depois deste, o amor pelo conhecimento, pela própria filosofia! E por fim, o amor pela própria ideia de beleza, uma ideia transcendente, idêntica à verdade e à bondade, segundo Platão. Quando todos vão dormir, Sócrates permanece de pé e vai para a praça buscar novos interlocutores. Para não focar só em Eros, porém, exorto o amor aos familiares e aos amigos, Storge e Philia, como altamente enriquecedores, prazerosos e gratificantes.
No século 18, tempo no qual os casamentos arranjados ainda eram a regra, o amor romântico cresceu no Zeitgeist, marcado pela publicação de Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe. Também Goethe, como se sabe, veio a rejeitar o romantismo em prol do classicismo. O protagonista da obra, não correspondido pela mulher que ama, escolhe se suicidar. A intensidade da obra e sua verdade levou muitos leitores ao suicídio. Estas pessoas idolatraram Eros, com desejo de vida ou morte por seu objeto.
Na tradição grega antiga, Eros é descrito como um daemon (espírito intermediário) entre os deuses e os humanos. Diotima conta a história de Eros como filho de Penia (Pobreza) e Poros (Recurso ou riqueza). Segundo essa versão, durante uma festa para celebrar o nascimento de Afrodite, Penia se deitou com Poros, e dessa união nasceu Eros. Por isso ele teria essa natureza paradoxal de Eros: ele é simultaneamente carente (como Penia) e engenhoso (como Poros). Na tradição clássica, porém, Eros é simplesmente filho de Afrodite, deusa da beleza, e Ares, o deus da guerra. Mas por isso Eros é paradoxal: ao mesmo tempo carente e engenhoso. Cabe lembrar-nos do mito de Orfeu e Eurídice. O herói grego Orfeu era o maior músico e poeta da Grécia, quando ficou desolado pela morte de sua amada Eurídice. Orfeu possuía uma lira que, segundo a lenda, foi dada a ele por Apolo. Sua música era tão bela que podia encantar qualquer ser vivo, desde humanos e animais até árvores e rochas. Ele podia acalmar tempestades e até mesmo influenciar o curso dos rios com seu talento. Obcecado por seu amor por Eurídice, que morreu picada por uma serpente, ele desce ao submundo dos mortos para tentar revivê-la. Hades, o lorde das trevas, e sua amada Perséfone, ficam tão encantados com seu talento musical, que permitem a ele levar Eurídice de volta para a vida, mas com uma condição: no trajeto, Orfeu não pode olhar para trás. Orfeu não conseguiu cumprir essa condição e, ao olhar para trás antes de sair completamente do submundo, perdeu Eurídice para sempre. O que este mito nos ensina? Ele nos ensina, sobretudo, que, certas vezes na vida, não se pode olhar para trás. Pessoas cegas por amor vão ao inferno tentando, unilateralmente, renascer uma relação morta. E elas pagam caro por isso depois, saindo piores do que estavam antes. É preciso saber virar a página e seguir em frente depois do término de uma relação. Um dia, vamos ter de nos despedir de nossas próprias vidas. Devemos saber nos despedir de alguém que fez parte dela por um período.

O amor romântico está certamente entre os ídolos modernos, mas é um que acredito estar sendo enfraquecido pela cultura da otimização e do bem-estar, outros ídolos. O amor avassalador, capaz de tudo, vem dando lugar ao cultivo de relações de pessoas que “dão match” sem muito esforço ou relações efêmeras. Os aplicativos de namoro otimizaram ambos os caminhos, configurando uma revolução na história da sexualidade humana, ainda que isto soe estranho para nós, usuários. É tão possível conhecer parceiros problemáticos e destrutivos em um bar quanto em um aplicativo. A partir do momento em que a comunicação se aprofunda, a dinâmica é basicamente a mesma. Pode ser a época do amor líquido, como queria Bauman, mas creio que esta seja preferível aos casamentos arranjados, ao amor romântico levado ao extremo que se popularizou no século 18 e à cultura machista do século 20, ainda muito recente. Hoje se experimenta uma liberdade no amor sem precedentes. Homossexuais podem se casar em diversos países e o divórcio nunca foi tão simples (o que não é o mesmo que fácil). Pessoas podem se conhecer rapidamente online, quando provavelmente jamais teriam se conhecido se dependesse do acaso fazê-los esbarrar e um tomar a iniciativa de falar com o outro. O amor romântico passa a tocha ao amor otimizado. O amor é intermediado por algoritmos. Amar com segurança, valorizar a própria saúde física e mental não é amar menos, é amar mais inteligentemente. Não há nada errado, como disse Alain de Botton, em descobrir que uma pessoa não é certa para você, e há algo muito errado em impedir que ela e você sigam em frente a partir deste ponto. O amor deixa de ser saudável quando há abuso, seja físico ou mental, o que ainda é lamentavelmente comum. Ainda há quem se submeta a humilhações, rudezas e maus tratos por insegurança e dependência emocional, que vêm juntas com a ansiedade e depressão, os chamados males do século. Acredito que todos precisamos de amparo. É uma mentira a ideia de que conseguimos “nos bastar” por uma vida inteira. Conseguimos sim, mas temporariamente (ou construindo sólidos laços familiares e sociais, o que substitui o afeto amoroso para quem realmente não tem esta necessidade tão pujante). O chamado “amor próprio” pode caminhar de mãos dadas com a necessidade de amparo, quando se observa os seus próprios limites e se eles estão sendo ultrapassados.
Muitos dizem, porém, que o amor é apenas uma narrativa para nomear reações químicas de nossos organismos que são programadas em função da propagação da espécie. Arthur Schopenhauer, em sua Metafísica do amor, defendeu que, enquanto pensamos estar trabalhando para nós mesmos na busca pela pessoa que desejamos e na manutenção de nossas relações amorosas, estamos trabalhando para a Vontade, uma forca cega que rege o mundo, que não passa de sua própria manifestação. E a Vontade quer apenas se propagar, perpetuar as espécies, suas diversas formas "individuadas". Ainda que fosse o caso, nada do que foi descrito antes é anulado. Como defende Jean-Paul Sartre em O existencialismo é um humanismo, o amor que existe é aquele que se faz, no dia-a-dia, com a pessoa amada - não há predestinação, alma gêmea ou qualquer narrativa a priori. Nas palavras de Sartre: “não existe outro amor do que aquele que se constrói, não há outra possibilidade de amor do que aquela que se manifesta em um amor”. E é perfeitamente possível viver um relacionamento de propósito e troca genuína entre duas pessoas que admiram uma a outra e querem mais dar do que receber. Seres humanos fazem isto o tempo todo. E você também pode. O amor pode ser reduzido a reações químicas, construção social e biologia humana. Com certeza. Aquilo do que falamos quando falamos de amor é isto. Ao mesmo tempo, é mais do que isto. Sendo reduzido a isto, o amor permanece real. O amor é um nome para fenômenos naturais, mas continua sendo amor, uma das coisas mais importantes na vida.
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